“O cyberpopulismo é o velho populismo potencializado pelas redes”: Andrés Bruzzoni fala sobre política, redes sociais e democracia em risco.
- João Pedro Gonçalves
- 20 de jun.
- 4 min de leitura
Por Heloísa Artuzo, João Pedro Gonçalves e Kauã Oliver
Publicado em 20 de junho de 2025
No dia 4 de junho, entrevistamos o filósofo e doutor em Filosofia pela USP Andrés Bruzzoni, autor do livro Cyberpopulismo: Política e Democracia no Mundo Digital (2021), uma das obras de referência sobre os impactos das redes sociais nas dinâmicas políticas contemporâneas. Durante quase uma hora de conversa, falamos sobre populismo, algoritmos, afetos, polarização, desinformação e os perigos que ameaçam a democracia atual.
Confira os principais trechos da entrevista:
O que é, afinal, o cyberpopulismo?
Abrimos a entrevista pedindo uma explicação direta sobre o conceito-chave de seu livro.
“O ciberpopulismo resulta da combinação de algo muito antigo com algo muito novo. O populismo é um modelo de conquista de poder que sempre existiu — e as redes sociais potencializam esse modelo”, explicou Bruzzoni.
Segundo ele, o populismo se estrutura sempre a partir de três figuras: um povo idealizado, um inimigo comum e um salvador. “Esse modelo é usado tanto por lideranças de direita quanto de esquerda. A diferença está em quem é o inimigo e qual é a ideologia por trás do discurso.”
Como as redes sociais se tornaram terreno fértil para o populismo?
Segundo Bruzzoni, a lógica de funcionamento das redes é o que mais favorece o avanço do cyberpopulismo:
“As plataformas ganham dinheiro com o tempo que a gente gasta nelas. E o que mais prende nossa atenção? A indignação. O ódio. Quando você se irrita e comenta ou compartilha algo absurdo, você está ajudando a espalhar aquilo.”
Para ele, isso transforma discursos de ódio em produtos virais. “As redes sociais criam bolhas, realidades paralelas. Quando você convence alguém de que a Terra é plana, você pode convencê-la de qualquer coisa.”
Há diferença entre o populismo de direita e de esquerda?
Perguntamos se há distinções estruturais entre os discursos populistas da esquerda e da direita no ambiente digital.
“Sim, há diferenças. E uma delas é que o populismo de direita é muito mais eficaz nas redes. O cyberpopulismo nasce com a extrema-direita. Não é à toa. O discurso do ódio e do medo é mais fácil de vender do que o discurso da solidariedade.”
Ele cita como exemplo as campanhas recheadas de fake news e ameaças simbólicas. “Lembra da ‘mamadeira de piroca’? Muita gente acreditou nisso. São histórias absurdas que causam repulsa, medo. E essas emoções são combustíveis potentes nas redes sociais.”
A hiperpersonalização do marketing político compromete o debate democrático?
Uma das questões levantadas foi sobre como a personalização extrema dos discursos políticos enfraquece a ideia de esfera pública.
“A democracia é barulhenta, caótica. Ela vive do confronto de ideias. Quando você vende um mesmo candidato de formas diferentes para públicos diferentes, você evita esse confronto. E isso é grave.”
Segundo o autor, essa prática tira do eleitor a chance de conhecer o todo. “O marketing entrega apenas o que você quer ouvir. Mas talvez você não votasse nesse candidato se soubesse de outros pontos do programa dele.”
Como lidar com a desinformação sem ferir a liberdade de expressão?
Tocamos em um dos temas mais sensíveis da atualidade: até que ponto é possível limitar conteúdos falsos ou perigosos sem comprometer a liberdade de expressão?
“Essa é a pergunta mais difícil. A extrema-direita se apropriou da bandeira da liberdade de expressão para defender o indefensável. E as redes sociais, no fundo, estão defendendo seus negócios — não a liberdade.”
Bruzzoni também critica a postura da mídia tradicional. “A imprensa criou o mito da imparcialidade, mas todos os veículos têm uma posição. Eu prefiro um jornalismo que diga abertamente de onde está falando. Isso ajuda o leitor a processar melhor a informação.”
Qual o papel das emoções no discurso populista?
“Você destaca o papel do afeto no seu livro. Como essas emoções são mobilizadas nas redes sociais, especialmente no Brasil?”, perguntamos.
“O populismo de direita mobiliza muito bem afetos como medo, ódio e ressentimento. Isso tem mais potência do que os afetos positivos, como empatia ou solidariedade, que são mais ligados à esquerda.”
Ele aponta o ressentimento como força central: “A extrema-direita autoriza o sujeito ressentido a extravasar sua raiva. É alguém que foi humilhado, que se frustrou com promessas de ascensão, e que agora encontra um espaço para se vingar — muitas vezes, atacando quem considera inferior ou ameaçador.”
O identitarismo divide ou fortalece a esquerda?
Questionado sobre o papel dos discursos identitários na esquerda contemporânea, Bruzzoni faz uma autocrítica:
“Eu tenho dúvidas sobre a ênfase no identitarismo. A impressão que tenho é que a gente acaba caindo numa armadilha — dividindo o que deveríamos estar unindo.”
Segundo ele, é preciso adaptar essas pautas à realidade brasileira. “O Brasil é um país profundamente miscigenado. Talvez a gente precise pensar nossas lutas de forma mais integrada e menos fragmentada.”
Ainda há tempo para salvar a democracia?
Encerramos a entrevista com uma pergunta direta: com toda essa sofisticação dos discursos e polarização crescente, ainda existe espaço para reação democrática?
“Acho que as democracias estão realmente ameaçadas. O fascismo pode voltar turbinado pelas redes sociais. E isso é muito assustador. É o meu maior medo.”
Apesar do tom pessimista, ele ainda vê brechas de esperança:
“O Brasil é foda. Tem uma força, uma cultura viva. Talvez daqui saia algo novo. Mas precisamos acreditar, lutar, pensar junto. A democracia exige conflito, sim — mas um conflito de ideias, não de destruição.”
A entrevista com Andrés Bruzzoni revela que o cyberpopulismo não é apenas uma moda passageira. É uma mutação profunda do modo como a política se comunica, se organiza e se legitima. Em um mundo movido a algoritmos e afetos, a democracia precisa encontrar novas formas de se reinventar — ou corre o risco de se tornar apenas uma ilusão elegante dentro de uma bolha.



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